Thursday, December 08, 2011

Amigos

Infância pode ser uma fase complicada. Alguns que já deveriam ser adultos na minha época, achavam que as crianças não mereciam muito respeito, afinal eramos apenas crianças. Para minimizar um pouco a minha injusta inferioridade, depois de uns três anos, nasceu a minha irmã. Tive que esperar muitos meses ate o bebezão poder falar, andar e talvez ser útil. Quando começou a falar, descobriram que ela era toda chata e os pés inclusive. Começou, por recomendações pediátricas, a usar botinhas ortopédicas, as mesmas que ela tentava acertar as minhas canelas, sem noção da dor que poderia me causar. Eu ainda era uma criança sozinha, construía umas estradinhas para brincar com os meus carrinhos, umas com pontezinhas bem arquitetadas. O bebezão aparecia e sempre pisoteava tudo. Eu era mais alto, e ela apenas mais gorda. Já sabia que não se pode bater em uma mulher nem com uma flor, apenas por isso não batia o brim dela. Na verdade, iria levar uns tapas dos grandes e eu não tava muito afim. Depois, o bicho cresceu e já falava, gostava de ver o Zorro, desenhos na televisão comigo e meus ódios foram diminuindo. Mais tarde ela seria o Robin e eu o Batman, com umas capas de chuva que achamos, destruíamos a sala da casa. Jogava futebol de botão comigo, íamos de bicicleta num clube tomar banhos de piscina, e cinema todos os domingos. Eu tinha medo de pedir para ir, ela nunca teve. Nossos pais davam os dinheiros e nos levavam, porque talvez tivessem receio de levar um chute das botinhas dela nas canelas deles. Alguns anos se passaram e a gorducha virou uma magrona alta e toda bonitona. Pra minha sorte, ela parou de usar as botinhas e virou minha melhor amiga. Somos amigos já faz uns 59 anos e nunca brigamos (uma vez ela usou minha escova de dentes para limpar os tipos da máquina de escrever dela, tudo foi resolvido depois, eu não sou rancoroso...). No aeroporto, quando eu estava para vir de muda e mudar alguma coisa, lá estavam os meus filhos, pais, tios, vó, sobrinha, cunhado, amigos e o restante da família. Depois de todos os abraços gotejantes, passando da linha de embarque, senti alguém pondo algo num bolço de trás da minha calça. Tirei a coisa e vi que eram uns bons dólares. Quem faria aquilo senão a ex gorducha? Achei a carinha dela no meio das pessoas, lá estavam aqueles olhos verdes úmidos me dizendo: te cuida e boa sorte mano.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Que linda historia.
Belas lembranças de sua irmã.
tenho certeza que se ela ler vai chorar.
Parabéns.

5:41 PM  

Post a Comment

<< Home