Monday, August 01, 2011

Carrinhos

Assim que pude, sai da confortável (Febem) casa dos meus pais e fui morar sozinho. Aluguei um apartamento perto de todas as coisas que eu gostava na época: cebos, cine Bristol, lancheria do parque, bar do Beto da esquininha, Zé do passaporte e afins. Me achava uma criatura especial, pois havia descoberto os caras da geração Beat, conseguia entender os livros do Sartre, e os de outros escritores complicados na arte. Como eu trabalhava no "podre" mundo da propaganda, e me sentia muito culpado, tentava diminuir o sentimento com minha paixão por revelar rebeldes fotografias P&B, ler livros xaropes, fazer parte de grupos ecológicos e me privar de assistir televisão. Como um hipócrita qualquer, eu tinha um Corcel II metálico, pneus goodyear, toca fitas Miami ll, amplificador tojo, e tweeters Selenium por todos os cantos do polido bólido. Num raro dia chegando mais tarde em casa, fui colocar o "automóvel" na garagem e o tio que cuidava do prédio, estava vendo televisão na guarita. Fui bater um papo com o Marinho, ele era um cara querido, gostava muito de papear com ele. Eu deveria estar chegando de alguma festinha. Ele, absorto vendo uma corrida de Formula 1. Lá estava um doido correndo num carro preto, quase sempre em três rodas, gostei muito daquela bravura, fiquei com o Marinho vendo a coisa até o final desconfortavelmente em pé. Logo depois, um diabinho me assoprou: "deixa de ser ridículo, e compra uma televisão só para assistires as corridas de carrinhos que percebi gostaste...". No outro dia, pensei numa desculpa bem boa, e comprei a televisão mais cara e moderna que havia no mercado. Escondia ela dentro do meu guarda-roupas de mim mesmo, só tirava ela do castigo, quando aos domingos tinha corridas de carrinhos. Eu me achava a pessoa mais coerente que poderia existir. Continuo me achando, tanto que meu gosto para filmes mudou muito, com a desculpa de que seriam necessárias aulas de inglês. Adoro agora de paixão comédias românticas, aqueles filmes que ninguém morre, situações engraçadas, lágrimas que caem, e no final tudo se resolve mágicamente para todos. Minha irmã uma vez me ensinou que os "bagaceiros" sempre deixariam pistas das mentiras sobre alguma falsa condição econômica, ou de uma triste falta de cultura. Agora, na minha atual fase bagaceira, fiquei uma pessoa de gostos duvidosos, e muito feliz com todos os rótulos depreciativos que, talvez, mereça.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home